Imunizantes dão proteção, mas não fazem milagre; pacto coletivo ajuda a impedir circulação do vírus
A morte do ator Tarcísio Meira, 85, por Covid-19 após tomar as duas doses da Coronavac em abril gerou um novo debate acerca da eficácia das vacinas.
Segundo familiares, Tarcísio e sua mulher, Glória Menezes, 86, estavam isolados em um sítio da família em Porto Feliz, no interior de São Paulo. A nora deles, Mocita Fagundes, 57, disse em rede social na semana passada que eles se contaminaram em um descuido. O ator foi diagnosticado com Covid-19 no dia 6 de agosto e não resistiu às complicações.
As vacinas contra Covid-19 aprovadas para aplicação na população são seguras e eficazes, como foi demonstrado nos estudos clínicos realizados com milhares de pessoas, usando públicos diferentes. Mas por que, então, algumas pessoas morrem com a doença mesmo após as injeções?
Em primeiro lugar, as vacinas não têm 100% de eficácia contra a Covid-19, assim como qualquer outra vacina ou tratamento de saúde. Em geral, sua proteção é maior para impedir quadros graves, hospitalizações e mortes, mas a proteção pode ser consideravelmente menor para a transmissão ou infecção assintomática. Por essa razão, mesmo indivíduos vacinados podem contrair o vírus, adoecer e morrer, embora em frequência muito menor do que os não vacinados.
Indivíduos mais velhos correm risco maior, já que possuem um sistema imune naturalmente enfraquecido, devido à chamada imunoscenecência. Isso pode acontecer com as vacinas de todos os fabricantes: um estudo conduzido na Alemanha apontou uma quantidade menor de anticorpos neutralizantes com a vacina da Pfizer em pessoas com mais de 80 anos em comparação àquelas com idade igual a 60 anos ou menos.
Outro ponto a ser considerado é a alta taxa de contágio do vírus em determinada região ou a circulação de variantes capazes de fugir ligeiramente do sistema imune, como a delta. Um estudo recente publicado na Nature mostrou que a efetividade das vacinas para bloquear a cepa é reduzida, mas ainda fica acima de 60% após duas doses da Pfizer e Oxford/AstraZeneca.
Em terceiro lugar, é preciso avaliar a condição de saúde da pessoa; se ela for portadora de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, doenças cardíacas e obesidade, pode ter um risco maior. Isso porque nesses indivíduos, além de combater a própria infecção viral, o organismo está em constante “luta” com si próprio devido a uma inflamação crônica e baixa persistente do organismo.
Essas condições de saúde nem sempre são divulgadas, e não é possível saber qual seria o risco de cada pessoa. Por isso, o efeito real das vacinas é mensurado pelos pesquisadores através da observação populacional, por meio dos chamados estudos de efetividade.
É o caso do município de Serrana, no interior de São Paulo. A cidade foi palco do primeiro estudo com vacinação em massa brasileiro, coordenado pelo Instituto Butantan, ligado ao governo paulista.
Em dois meses, foram vacinadas 27.160 pessoas na cidade (95,7% da população adulta) com a Coronavac. O reflexo da imunização em massa veio cerca de oito semanas depois: queda de 95% no número de mortes, 86% nas hospitalizações e de 80% para casos sintomáticos de Covid-19.
Foi possível observar redução de casos e hospitalizações quando 75% da população acima de 18 anos estava imunizada com duas doses, patamar ainda distante para a maioria dos países e até mesmo para o Brasil, que tem hoje cerca de 30% da população adulta com o esquema vacinal completo e 70,5% com apenas uma dose.
Dados divulgados por ministérios da saúde e órgãos oficiais em todo o mundo também dão respaldo à segurança e proteção das vacinas. No Chile, país com quase 19 milhões de habitantes e 73,5% da população vacinada, um estudo de efetividade da Coronavac divulgado pelo governo apontou queda de 65,7% de casos sintomáticos, 80% nas mortes e 89% nas internações em UTIs.
O Brasil também viu uma queda notável nas internações de nonagenários por Covid três meses após o início da vacinação no país. Em São Paulo, as mortes de idosos acima de 70 anos por Covid caíram de 127, em janeiro, para 38 em março, uma queda de 70%. Nesse período, a vacina largamente em uso e disponível no país era a Coronavac.
A proteção conferida por duas doses da Coronavac, segundo um estudo do grupo Vebra Covid, coordenado pelo pesquisador da Fiocruz Júlio Croda, com mais de 43 mil moradores do estado de SP mostrou que a vacina reduziu em 41,6% os casos sintomáticos, em 59% as hospitalizações e em 71,4% as mortes por Covid, em pessoas de até 69 anos.
Na faixa etária entre 70 a 74 anos, a eficácia da Coronavac contra casos sintomáticos é de 61,8%, de 80,1% contra hospitalizações e de 86% contra mortes.
No entanto, a proteção da Coronavac cai na população com 80 anos ou mais —28% contra casos sintomáticos, 43,4% contra hospitalizações e 49,9% contra mortes. Esses números, porém, são superiores à proteção conferida pela vacina da gripe nesse público, ressalta Croda.
É importante destacar que, após um período de queda, as internações nessa faixa etária se estabilizaram e, recentemente, voltaram a crescer no Rio e em São Paulo, como aponta projeção feita pela Fiocruz. Isso pode ser consequência de uma falsa sensação de proteção de pessoas vacinadas com apenas uma dose, que podem contrair o vírus e disseminá-lo, inclusive para idosos já vacinados.
Dois estudos divulgados recentemente pela Sinovac, fabricante chinesa da Coronavac, indicam que há uma queda de anticorpos específicos contra o coronavírus seis meses após as duas doses da vacina. Essa queda, no entanto, é esperada, e os anticorpos são apenas um tipo, mas não o único, de proteção conferida por vacinas.
No mesmo estudo, os pesquisadores avaliaram a aplicação de uma terceira dose da vacina 28 dias ou seis meses após a segunda dose, e viram que essa dose reforço estimula a produção de anticorpos, tanto em pessoas com 18 a 59 anos quanto naquelas com 60 anos ou mais.
Na última quarta-feira (11), o Chile iniciou a aplicação de uma terceira dose com o imunizante AstraZeneca nos idosos que já receberam as duas doses da Coronavac.
Fonte: Folha de São Paulo