Educação médica tem que considerar o meio ambiente e a dignidade da pessoa humana, diz Antonio Cordero
“A medicina brasileira enfrenta um novo momento. A gente precisa discutir que futuro queremos para a nossa sociedade.” Com essa preocupação, o médico pneumologista José Antonio Cordero, conselheiro do Conselho Regional de Medicina, seção Pará (CRM-PA), abriu a palestra sobre “Direito Médico e Bioética”, nesta sexta-feira (28), no I Congresso Acadêmico Sindical da Federação Médica Brasileira (FMB), em Belém.
O evento reuniu profissionais e acadêmicos em mesas-redondas e oficinas para discutir especialidades médicas, direito médico, bioética e residência médica. O advogado Yúdice Andrade, assessor jurídico do Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa), também participou da mesa de debates.
Antonio Cordero elogiou a iniciativa do Sindmepa. “O congresso busca levar para dentro do sindicato as discussões da academia e com um tema muito atual. Houve grandes avanços da medicina nos últimos anos que não ficaram só na competência da bioética. Ultrapassaram essa competência. Os desafios aumentaram. O sindicato está de parabéns por trazer o acadêmico de medicina para a realidade da vida profissional antes mesmo de se formar. Essa experiência vai engrandecer o trabalho”, afirmou.
Na palestra, Antonio Cordero defendeu princípios que devem nortear a carreira do profissional médico. “A saúde não se constrói sozinha. A educação médica tem que considerar o meio ambiente e a dignidade da pessoa humana”, disse.
Para Cordero, as práticas médicas exigem constante reflexão sobre adequação das ações que envolvem a vida e o bem viver, considerando todos os aspectos das relações humanas e sociais. O conceito de dignidade humana, destacou, pressupõe respeito e consideração, direitos e deveres, proteção e condições mínimas de existência e comunhão entre as pessoas.
O médico também analisou o cenário da medicina no Brasil, com indicadores de uma crise ética e à sombra da inteligência artificial. “Existe uma crise não na categoria médica, mas na sociedade. Nós ficamos extremamente preocupados. A inteligência artificial será sempre bem-vinda, desde que beneficie a sociedade. É preciso diálogo, conhecimento para enfrentar a crise, dentro da legalidade, respeitando a ciência, em busca das boas evidências”, afirmou.
O crescimento das escolas de medicina no Brasil, a maioria particular, também mereceu a atenção de Antonio Cordero. Em tom de alerta, o médico condenou os métodos de avaliação do Ministério da Educação (MEC). “Temos a abertura indiscriminada de escolas médicas e muitas das vezes a gente não sabe a qualidade do ensino. Por isso, é fundamental uma boa avaliação. Os instrumentos atuais de avaliação do MEC estão ultrapassados”, assinalou.
Segundo Cordero, a residência médica é fundamental para a formação em medicina, mas hoje está em segundo plano. “Antigamente, nós nos formávamos e já pensávamos na residência médica. Hoje o médico vai direto para o trabalho porque precisa de recursos financeiros para pagar o financiamento da escola particular, para ajudar a família. Com isso a gente perde a qualidade da formação”, disse. Ele também questionou as propostas do MEC para modificar o regime da residência. “O melhor padrão da formação médica é a residência. Por que o governo quer tutelar? É necessário discutir as propostas dos Ministérios da Educação e da Saúde”, ponderou.
O cerne da profissão
Para o médico cardiologista Waldir Cardoso, diretor do Sindmepa, que participou dos debates, a ética médica é o cerne da profissão e deve nortear todo o trabalho do médico. Segundo ele, o médico não se limita à formação técnica. “O assunto, assim como o direito médico para o exercício da profissão, não é muito aprofundado nos cursos de medicina. Trazer esse tema provoca a reflexão do estudante de medicina sobre a importância da ética médica, portanto da bioética, porque nós lidamos com vidas, para melhor atender o paciente, cumprir o nosso dever de curar quando possível; aliviar quando necessário; consolar sempre”, disse.
Waldir Cardoso também comentou sobre a qualidade do ensino de medicina no Brasil. “Correndo o risco de ser injusto, a abertura indiscriminada de escolas médicas está fazendo com que uma grande quantidade de jovens busque a medicina como uma forma de se colocar facilmente, rapidamente e com bons resultados financeiros no mercado de trabalho. Isso é muito perigoso. Nós já estamos tendo uma quantidade grande de profissionais que talvez não sejam vocacionados para a medicina. Medicina não é um sacerdócio, porque nós somos trabalhadores, porém ela não é um meio de enriquecimento, porque lidamos com vias”, disse.
Futuras lideranças
Para o advogado Yúdice Andrade, a proposta do congresso está ancorada na formação do profissional da medicina, inclusive na área do direito. “Hoje, em uma sociedade cada vez mais litigiosa, com conflitos abundantes e complexos, a formação em direito médico é absolutamente necessária, porque vai ser um elemento condutor extremamente importante para a resolução de problemas com que antes os profissionais da medicina não precisavam lidar”, afirmou. O congresso acadêmico sindical, assinalou, tem como premissa ajudar na formação de futuras lideranças para o sindicalismo.
Yúdice observou que os conflitos sociais foram se tornando maiores e mais sofisticados. Em campos onde antes o direito não entrava, disse, hoje ele é uma parte importante. “O acesso à saúde e os direitos dos pacientes são capítulos importantes dentro do arcabouço geral de temas do direito médico. O que nós estamos tratando aqui, longe de ser uma questão classista, profissional, toca diretamente nos interesses da sociedade como um todo”, asseverou.