Desde o início deste ano que a mais antiga maternidade do Norte do País, a Santa Casa de Misericórdia do Pará, vem passando por um processo gradual de desmonte que aponta para a privatização de seus serviços. Os primeiros sinais vieram em fevereiro, quando servidores denunciaram a privatização de diversos serviços de diagnóstico por imagem e laboratoriais de análises clínicas, anatomia, patologia e citopatologia. Em seguida, com a pandemia, vieram suspensão de férias e licenças. Agora, a tentativa de encerramento de contratos firmados por PSS e a ameaça do fim dos ambulatórios de especialidades médicas do hospital.
No último dia 19, ginecologistas que participaram de um Processo Seletivo Simplificado (PSS) em outubro do ano passado foram surpreendidos com a informação do encerramento de seus contratos, sendo oferecida a opção de contratação via Pessoa Jurídica, através de uma empresa terceirizada.
O memorando 672/2020, da gerência de Gestão de Pessoas (Gesp-FSCMPA), informa que os contratos só valerão até amanhã, 30. “Foi interrompido nosso contrato de maneira abrupta, sem prévio aviso, em meio a uma pandemia. Nos impuseram goela abaixo, sem direito de opinarmos. Perdemos férias, 13° salário, licença saúde, ou seja, nos tiraram todos os direitos trabalhistas”, denuncia um médico da Santa Casa que prefere não se identificar.
TERCEIRIZADOS
Os novos contratos serão feitos na forma de Pessoa Jurídica, passando a ser geridos pela OS Paramedical, uma empresa cuja contratação suscita diversas interrogações entre os servidores da Santa Casa. Em primeiro lugar, quem são os sócios da empresa? Porque somente esta empresa se apresentou ao processo licitatório aberto pelo estado e, por último, porque o processo não foi amplamente divulgado? Todas essas dúvidas ainda precisam ser esclarecidas a bem da transparência no serviço público.
Na última sexta-feira, 26, um grupo de diretores do Sindmepa se reuniu com a direção da Santa Casa para discutir alguns dos problemas que os trabalhadores médicos da instituição enfrentam, mas as opções apresentadas não satisfizeram. Com a presença do presidente, Bruno Carmona, foi informado que dos 32 ginecologistas contratados via PSS, somente 12 poderiam ser indicados para permanecer na instituição com os mesmos vínculos trabalhistas. Os demais teriam que constituir PJ para continuar prestando serviços.
Em reunião ampliada, a diretoria do Sindmepa não concordou com a proposta e nesta terça-feira o assunto será discutido com médicos da instituição durante a reunião ordinária virtual da diretoria. Também será sugerida uma Assembleia Geral virtual para a próxima quinta-feira para se discutir os diversos problemas enfrentados pelos médicos no Hospital.
Em ofício enviado à direção da Santa Casa, o Sindmepa “formaliza a rejeição da proposta apresentada pela gestão, insistindo na necessidade de novas rodadas de negociação, com a participação máxima de todos os médicos interessados, a fim de continuar a busca de resolução pacífica e construtiva, deixando claro, desde já, que a proposta da entidade é de que a gestão mantenha a vigência dos contratos, até seu termo natural e dentro do prazo estabelecido no instrumento, para então tomar medidas mais definitivas, como a necessária realização de concurso público”.
Outro assunto tratado na reunião de sexta-feira foi a suspensão de férias e licenças durante a pandemia. Sobre isso foi informado que as suspensões atendem à determinação do decreto estadual que adiou férias e licenças em todo o Estado enquanto durar a pandemia. Mas o decreto do governador deverá ser modificado no final do mês. Desta forma, vamos aguardar o novo decreto para analisar a questão das férias e licenças.
FIM DAS ESPECIALIDADES
Na última quinta-feira, 25, mais uma “surpresa” atingiu o corpo clínico da Santa Casa: o anúncio do fim do ambulatório de especialidades médicas do hospital. No comunicado distribuído aos funcionários informa-se que “em decorrência de mudanças no sistema de regulação e marcação de consultas, os retornos e novos agendamentos serão realizados na UBS, próximo à residência do usuário”. Estão na relação das especialidades que serão atendidas nas Unidades Básicas de Saúde: clínica médica, endocrinologia, gastrenterologia, ortopedia, pneumologia e reumatologia. Só na reumatologia são mais de 1.500 pacientes que correm o risco de ficar sem atendimento médico. A medida, por si só, coloca em risco o reconhecimento da Santa Casa como hospital escola pelo MEC, que exige que os estudantes tenham acesso a campo de prática em especialidades médicas.
Os funcionários que denunciaram a mudança classificam como “uma mudança criminosa”, já que muitos pacientes recebem medicações caríssimas na Santa Casa e não terão como ter acesso a esses medicamentos em Unidades de Saúde.
“O que observamos é um paulatino desmonte do tricentenário Hospital da Santa Casa enquanto hospital geral e hospital de ensino que formou gerações e gerações de médicos. Além disso, a privatização do hospital é um crime de lesa serviço público”, afirmou o Sr. Waldir Cardoso, diretor do SINDMEPA.
O Sindicato dos Médicos do Pará aponta que há um impedimento legal para privatização, mesmo que disfarçada, do hospital, considerando que o caráter público da Fundação Santa Casa está inscrito na Constituição do Estado do Pará, no Art. 23 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias: “Art. 23. O Estado, no prazo de cento e oitenta dias, contados da promulgação desta Constituição, providenciará a criação e manutenção de uma fundação pública que incorporará o patrimônio e realizará os objetivos da Santa Casa de Misericórdia do Pará”.