*Yúdice Andrade
A “pejotização” (de “PJ”, sigla para pessoa jurídica), é uma estratégia por meio da qual empresas contratam trabalhadores como se estes fossem sócios de outras empresas e não o que de fato são: fornecedores de mão-de-obra. Foi uma solução encontrada pelo capital para fugir à obrigatoriedade de arcar com direitos trabalhistas, considerando que a Justiça do Trabalho já possuía jurisprudência remansosa contrária à tese de contrato de prestação de serviços (regido pelo Direito Civil), que fraudaria a existência de uma relação de emprego.
Estudiosos do Direito do Trabalho, sindicatos, movimentos sociais e, de resto, todos aqueles que se empenham pelo trabalho como condição de vida digna sempre rechaçaram a “pejotização”, que somente beneficia os proprietários das empresas contratantes. Trata-se de apenas um dos muitos sintomas da política neoliberal de implosão de direitos. Naturalmente, o grande capital sempre consegue aprovar suas pautas junto ao Congresso Nacional, além de vendê-las como as melhores soluções para o progresso do país junto à mídia corporativa. E, infelizmente, o Poder Judiciário tem sido condescendente com essas políticas.
No último dia 8, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por 3 votos contra 2, que a “pejotização” não viola a legislação trabalhista, se não estiverem presentes os requisitos da relação de emprego. No caso concreto, permitiu que uma organização social que administra quatro hospitais públicos e uma unidade de pronto atendimento, no Estado do Bahia, contrate médicos como pessoas jurídicas. A decisão não é isolada.
Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 324, o STF já havia proclamado a constitucionalidade da terceirização de serviços, tanto na atividade-meio quanto na atividade-fim das empresas, produzindo, inclusive, tese com repercussão geral (tema 725: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”).
O STF finge que protege os direitos dos trabalhadores, pois repele a “pejotização” nos casos em que isso sirva, concretamente, para burlar o pagamento de verbas trabalhistas, além de garantir, aos contratados, um regime de tributação mais benéfica. Na prática, contudo, ao criar uma tese condicional, coloca os trabalhadores em uma posição na qual a violação de seus direitos precisa ser comprovada como dolosa, caso a caso, algo que se submete à discricionariedade judicial. Se a “pejotização”, em si mesma, é admitida, poucos serão os casos em que serão reconhecidos os prejuízos aos trabalhadores.
A jurisprudência do STF preocupa quem conhece a realidade do trabalho médico no país, particularmente no Estado do Pará. A gestão das unidades de saúde por organizações sociais, que praticam diversas e controversas formas de “pejotização”, tem levado os médicos paraenses à intensa precarização de seu trabalho, pois são submetidos à hierarquia das relações de emprego, porém só têm direito ao pagamento das horas trabalhadas e este não goza da proteção reconhecida ao salário.
*assessor jurídico do Sindmepa