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Sobreviventes: as reflexões de médicas que passaram pelo inferno da Covid-19

Assim como muitos médicos perderam a vida no exercício da profissão de salvar pessoas, há um grupo expressivo de profissionais que foram contaminados pelo vírus e conseguiram superar as complicações provocadas pela Covid-19. Não se sabe ao certo o número de médicos infectados no Pará, mas acredita-se que seja um percentual bastante alto. A Secretaria de Estado de Saúde (Sespa) já estimou que cerca de 42% dos infectados são de pessoas da área da saúde.

Nesse texto, três médicas, Leucy Paz, Marília Xavier e Verônica Costa, diretoras do Sindmepa, contam como foi a provação de contrair a doença, elas que sempre estiveram do outro lado, e a sensação de recuperação e retorno ao trabalho e à família.

Plantonista noturna de um hospital em uma das áreas mais nobres da cidade, Leucy Paz não imaginava que pudesse vir a se contaminar na clínica pediátrica do local, onde tomava todos os cuidados e seguia à risca as regras de higienização e procedimentos para a Covid-19. Mantinha sempre nos atendimentos o uso de máscaras e as mãos constantemente higienizadas. “Sei exatamente quando fui contaminada, foi na noite do dia 23 de abril, quando houve um fluxo muito grande de pessoas adultas e acabaram invadindo a pediatria, pois eu fico na clínica pediátrica. Naquele dia a situação ficou fora de controle”, lembra ela.

Asmática, ela começou a sentir os sintomas logo depois. A situação era grave: tomografia deu mais de 50% em vidro fosco, febre elevada, temperatura 39, 39.5, muita dispneia e fraqueza. Foi afastada do trabalho e se submeteu ao tratamento por longos 14 dias.  Hoje está de volta ao atendimento na clínica pediátrica e na Santa Casa de Misericordia.

Leucy Paz entre colegas e funcionários do Sindmepa

“Tivemos tempo e não nos preparamos. A saúde e educação sempre foram colocadas em segundo plano no Brasil. Espero que de agora em diante, após essa covid 19, passem a valorizar mais os profissionais de saúde e equipem mais o SUS como um todo”, reflete.

Sobre o enfrentamento à doença, afirma: “Não temos medo de enfrentar a pandemia, pois somos médicos. Mas, não somos super heróis e nem a mulher maravilha. Temos que nos proteger e usar as EPIs. Queremos condições de trabalho decentes, salário justo e, acima de tudo, respeito”.

ATERRORIZANTE

Trabalhando como nefrologista e dando apoio para os casos de Covid muito graves, que evoluem com insuficiência renal, Verônica Costa conta que ficou aterrorizada ao se descobrir infectada pelo coronavírus: “Depois de ver outros colegas próximos adoecendo e morrendo. Depois de ver que, mesmo os que receberam o melhor suporte possível nem sempre sobreviveram, é aterrorizante. Pois você adoece e não sabe como seu corpo vai reagir à doença. Você sabe que tudo está nas mãos das suas próprias defesas e que toda a ciência não pode impedir que você morra e deixe sua família”.

Depois de retornar ao trabalho após 14 dias de tratamento, ela destaca que precisamos tirar como lição dessa pandemia a necessidade de valorização do sistema público de saúde. “Na verdade, existem muitas pessoas que ainda ignoram que muito do desfecho negativo da pandemia e muitas mortes que aconteceram é por falta de um sistema de saúde decente”, considera.

Verônica Costa: Lutar por um sistema de saúde decente

Ao final das contas, o SUS que segurou e está segurando muitas vidas, conclui Verônica Costa: “A grande lição é que, mais do que nunca, temos que acordar e nos envolver nas políticas públicas, pois a dor do outro pode facilmente ser a nossa. De repente, mesmo tendo plano de saúde e nos achando seguros, vimos que o SUS foi quem no final está segurando muitas pessoas vivas, pois os hospitais privados colapsaram primeiro em nossa região. Ou seja, mesmo com dinheiro e condição social, todos foram submetidos ao que o SUS podia fornecer”.

FRAGILIDADE HUMANA

O caso de Marília Xavier não foi diferente. Possivelmente, foi contaminada enquanto atendia no consultório e no ambulatório das duas faculdades em que trabalha. Era março, quando a vigilância sanitária ainda rastreava casos importados. Mesmo com todos os sintomas da Covid, ela não foi testada. “Comecei a perceber quantos casos deveriam estar sem testar, não devia ser só eu”, relembra.

“Após três semanas, depois do inferno de sintomas, punhaladas no pulmão, fadiga terrível, suores, calafrios, e tudo o mais, melhorei e mergulhei no projeto Solidários da Saúde”, conta. Mas a falta de repouso fez piorar o quadro: “TC de pulmão 25% afetado, sinusopatia, neuralgia do trigêmeo. Repouso relativo”, confere.

Na luta pela recuperação, vieram as reflexões. Após três semanas afastada das atividades, ela conclui sobre o que fica de aprendizado: “Mais uma vez o encontro com a própria fragilidade humana. A escuridão do desconhecido traz fé em Deus, na ciência e na medicina. Reconhece limites. Impulsiona mais ainda a solidariedade. Mais amor, oh, mais amor à família. Dias de descobrir coisas simples. Retorno à jardinagem. Cuidar das plantas”. Quando enfim, a sorologia deu positiva pôde responder ao questionamento da neta: “Vovó, você estava dodói? Sim querida, mas vovó venceu”.

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